Determinados fatores externos desfavoráveis podem nos causar uma reação chamada de estresse. Em tais circunstâncias, o primeiro evento importante é uma descarga de adrenalina em nosso organismo. Tal famosa adrenalina, é por sua vez produzida pelas glândulas supra-renais, promovendo a aceleração dos batimentos cardíacos e uma diminuição dos vasos sanguíneos periféricos.
Olho a paisagem através da janela da aeronave e devaneio com os quadriculados das plantações em solo. Que lugar do mundo sobrevôo neste instante? Nem preocupo-me em saber, afinal estou de férias. Sendo justo, dei férias também para minhas supra-renais, pois baseado em meu cálculo demasiado cru, sem supra-renal não há adrenalina, logo, não há também o estresse.
São Paulo, minha fria São Paulo, onde para mim os arranha-céus são mais estilosos que os de Xangai, suas ruas mais limpas que as de Cingapura, e nosso transito, menos caótico que o de Paris. Desvairo, obvio, talvez pela alegria de estar em casa.
O transito, junto aos três andares de escada que tive que enfrentar com minhas malas, não ousaram a abalar-me o estado de espírito, pois minhas supra-renais encontravam-se de férias no Nepal.
Minha avó me salta aos braços, demonstrando um carinho que me faltarão vocábulos para aclarar nessas linhas. O coração bate diferente em um abraço de vó.
Entro em casa, e realmente vejo que estou em uma “casa de vó” com sua quase centena de bibelôs (muitos ainda da minha época de criança), quadros antigos, estante enorme, móveis, armários... coisas de casa de vó.
No quarto que um dia foi meu, há três televisores (nenhum funciona), um beliche, 2 guarda-roupas, uma máquina de costura e um armário o qual eu tive até medo de abrir.
Porque será que vó não joga coisa fora? Porque vó tem dificuldade em praticar o desapego dos bens materiais?
As avós são personagens marcantes em nossas vidas. A minha, tenta modernizar-se o quanto pode, comprou inclusive um celular recentemente, mesmo tendo debilitada visão decorrente de diabetes.
Com o avanço dos dias, nossa convivência passou a ficar... diferente. Ela passou a ter atitudes as quais tive dificuldade em lidar. Exemplo disso, quando me conecto a internet e em meio a algo importante, ela me pede pra sair e comprar cândida.Nao há como a internet vencer a cândida, ela nao quer nem saber. Outra situacao, quando chego da boemia as 6 da manhã, me aninho na cama e naquele delicioso estagio pré-sono, a luz do quarto ascende repentinamente, e lá está ela, com bolinho de chuva e um chazinho de capim cidreira.
Ia me irritar, mas acabei de ver um postal das minhas supra-renais em Ibiza, logo me acalmo.
Seria deveras rude, expulsar minha avó do quarto. Depois de uma hora de conversa ao lado da cama, ela resolve ir, apagando a luz e fechando a porta vagarosamente. Começo todo o processo de aninhar-me desde o inicio. Luz forte de novo em meu rosto:
_ Filho, tem certeza que não quer mais chá, vovó traz pra você...
A velha negra que outrora gorda, hoje é magrinha e curvada. O abatimento dos anos em seu corpo não afetaram em nada as aptidões culinárias. Toda vez que chegava da rua, me deparava com ela a beira do fogão. Casa de vó também cheira a cocada, pé-de-moleque, bolo e brigadeiro. Vó não respeita a lipo da gente. Elas tem em mente até cura pra tudo. Em uma das visitas de meu irmão, ele reclamou de uma frieira no pé esquerdo.
_ Ponha o pé numa bacia com sal e vinagre – receitou ela
Rio, imaginando meu irmão seguindo tal prescrição.
Outro dia um amigo me ligou, e me encontrava no banho.
_ Caco.... Cacoooo, Caquinhooooo
Por mais que eu me esforçasse a responder sob a ducha, ela não me escutava, pois chuveiro em casa de vó é antigo e barulhento, daqueles que quando ligado, diminui a força da casa toda. Desliguei e respondi que retornaria mais tarde. Na tentativa de religar o chuveiro, havia me esquecido que em casa de vó, a primeira rajada d’água sempre é fria. Tudo está perfeito, afinal minhas supra-renais estao num cruzeiro pelas ilhas gregas.
Tomo meu ultimo café da manha com os meus, chuchando o pão no chocolate quente, assistindo TV num volume um tanto alto ao que estou acostumado. Me despeço do quarto de luxo com 3 televisores, e olho a paisagem da minha real janela, a janela da minha casa. Nada interessante: prédios, postes e fio dos trólebus... Foi vendo essa paisagem que cresci. Abraço os meus com muito carinho e retorno.
O elevador panorâmico, me deixa no vigésimo sexto andar. Inconscientemente, tento buscar alguma semelhança com o azul das águas do golfo pérsico que vejo da janela do meu quarto, com os fios dos trólebus da minha real janela.
Tomo no dia seguinte, meu café da manha a minha maneira, mas resolvi chuchar o pão no chocolate quente, pois como dizem “a felicidade muitas vezes decorre da pureza de nossos costumes”. Vejo que ser um cidadão do mundo é algo muito gratificante, mas percebo que o reabastecimento da aura, é feita apenas no seio da família. Vou, viajo, mas volto sempre as minhas origens.
Com a leitura deste post rememorei minha derradeira estadia na Bahia, em 23/12/2007, quando, de surpresa, arranquei lágrimas dos olhos de minha vó paterna, Alice, após adentrar a porta daquela casa simples, esbravejando o “adivinha quem chegou?”. Percebi nessas as linhas a mesma sensibilidade que tive ao abraçar minha avó e todos os parentes depois de oito meses de distanciamento, estes que pareceram décadas. É difícil ser sedentário quando na verdade nos tornamos nômades contemporâneos... Mas os que realmente AMAM a família e a veem como o berço, como o alicerce para continuar, embora se esteja no outro lado do oceano, jamais desconhece o caminho de volta para casa. E eis aqui nesse texto o retrato fiel do amor à comida caseira, o conforto do quarto, a atenção e a chateação necessário da avó... Em suma, a importância da família para a formação deste grande aventureiro chamado Cássio Leandro.
ResponderExcluirParabéns! Mais do que as belas palavras... Fica minha IMENSA admiração por você!
Eita rapaz,que leitura gostosa e emocionante....passou um filme na cabeça....Preciso visitar minha vó rsrrss....saudades preto
ResponderExcluirValdir
Preto, impossível ler esse "conto de vó" e não lembrarmos das nossas. Parece que todas têm uma solução pra tudo e, mesmo que achamos esquisito, nos sentimos protegidos por elas.
ResponderExcluirEnfim.. é um gostoso diário de bordo.. rs Parabéns! abs.. E espero que leia o meu blog tb. Adolfo.