Pausa

Então, já que abriste a página, desligues teu blackberry, o msn e o skype e dedique-se quinze minutos de leitura nesse diario...



sábado, 24 de outubro de 2009

MOMENTO PRESENTE

Andando mundo afora, além da paisagem local, do modo de vida que levam as pessoas, começo a perceber pequenos detalhes em minhas viagens.
Viajar vai criando em nossa mente um arquivo, e à medida que as descobertas crescem, vai juntando pecas de um quebra-cabeça imaginário
.
Não falarei hoje sobre um destino especifico, mas sobre algo comum em todos os lugares que visitei e que visitarei, pois faz parte do cotidiano de todos os seres humanos.
O banheiro, WC, casinha, casa de patente, toalete, etc., e o ritual de se freqüentar esse local, é ato extremamente importante em nossas vidas. É algo como colocar a cabeça no travesseiro antes de dormir. Nesta hora, estamos a sos com nossos pensamentos, refletimos, cantamos, lemos.

Ir ao banheiro é o nosso momento de solidão mais agradável. Bom, pode ser desagradável também, se estivermos com pressa. Pode ser até catastrófico.. Vamos chamar então o ato de ir ao banheiro de “Momento Presente”.

Lembro-me quando vi um toalete turco pela primeira vez. Era pequeno, e foi na firma onde meu pai trabalhava como torneiro mecânico. Perguntei a ele como as pessoas tinham o “momento presente” delas.
_ “De cócoras meu filho, tem que mirar no buraquinho...”

Anos mais tarde, encontrei esse tipo de banheiro em bares e restaurantes de Paris, inclusive, em um bar brasileiro no qual fui barman durante algum tempo.
Olhava aquele buraco de porcelana no chão, com muita apreensão; imaginava o quao dificil seria equilibrar-se sobre as pernas, sem nenhum apoio lateral. Só restava mesmo o apoio da “força de vontade” (ou a força e a vontade) na hora do “momento presente”.

Floristas ambulantes adentravam os bares e cafés para vender flores aos clientes durante o verao parisiense; e nós tínhamos nossa florista habitual.
Sonia, uma senhora argelina, certamente na casa do 60, vendia suas flores pelos estabelecimentos da Rue Montmartre. Parava sempre em meu balcão para tomar uma caipirinha e contar causos de seu pais.

Certa noite, o bar estava um pouco movimentado, e não pude dar muita atenção a Sonia.
Um grito rouco me assustou vindo do banheiro. Sonia tinha tido uma cãibra naquele toalete turco. Foram necessários seis clientes para tirar a velha dali. Meu apoio foi moral, pois nem sai detrás do meu balcão. Não queria ver aquela senhora nua, de cócoras, com a perna travada, e quem sabe... no meio do seu “momento presente”.
Senti pena dela, ficar de cócoras não era algo mais para a sua idade.
Ela entendeu, pois depois desse episodio, ela ainda passava ao bar, mas nunca mais foi ao banheiro. Deduzi que ela ia a algum outro estabelecimento da rua, onde pudesse ter seu "momento presente" de uma maneira mais convencional.

No mês passado, estive em Lagos na Nigéria, e fui surpreendido pela recepção no aeroporto. Eram muitas advertências quanto a nossa segurança e interdição de sair do hotel. Havia um policial armado no ônibus que nos conduziria ao hotel, escoltado por dois carros militares, um na frente e outro atrás. No hotel, um policial por andar. Me senti um prisioneiro, mas ao mesmo tempo, tinha aquela vontade de explorar o lugar.

Não é possível que em uma cidade com aproximadamente 10 milhões de pessoas, todas, ou sua grande maioria, fossem pessoas de ma indole!

Quando o ônibus parava nos faróis, eu abria discretamente a cortina, e pude ver que o banheiro publico era a céu aberto. Tratava-se de um retângulo de madeira, de 140cm aproximadamente de altura, e com três divisórias internas, logo, quatro banheirinhos.

Neguinho vinha ali, desabotoava as calcas, e descia de cócoras. Um toalete turco “a la nigeriana”.. Tido o “momento presente”, ergue-se as calcas ainda abaixado, levanta-se e a abotoa. Normal, qualquer um que passa num veiculo na rua, vê a cabeça do neguinho que esta, muito franco, tendo seu “momento presente”.
No hotel, tentei sair, dar uma volta. Queria dizer que “estive na Nigéria”, mas o guardinha não deixou. Disse que embora negro, eu não me vestia como africano, não andava como africano, e se fosse descoberto, poderia me trazer problemas. Consegui fazer com que ele me emprestasse uma camisa, para que eu pudesse parecer mais local.

Ficou preocupado com minha saída, mas eu disse que voltaria logo.
Andei cerca de três, quatro quarteirões, e vi que o banheiro publico era algo normal, uma espécie de “momento presente" compartilhado e sem pudor.

Andando ainda nas proximidades, achei meio funesto, o fato da loja de armarinhos, vender caixões fúnebres, ali, logo na porta do estabelecimento.
Voltei pro hotel, sabendo que jamais poderia ter meu "momento presente” da maneira nigeriana. Para mim, a intimidade se faz necessaria.
Voltando ao hotel, pensava no fato de se ter caixoes vendendo na calcada. Sera que teria isso a ver com a violencia urbana local? Resolvi apressar meu retorno, pois corria o risco de nunca mais ter um outro "momento presente" na vida

Não costumo ter meu momento presente no avião, não acho nada intimo, tampouco confortável.
Outro dia, no Sri-Lanka, cheguei ao hotel um pouco apurado. Era um hotel fazenda que fica no meio da floresta. Não gosto de estar apurado pro meu “momento presente”, Cheguei ao quarto, tirei a roupa, apanhei minha palavra cruzadas e prossegui para ter meu “momento presente”na paz.
Pousei. Procurei a pagina interminada do “Coquetel Grande Aquiles Nível Difícil”,e estava pronto quando um barulho de algo atrás do lixo me chamou a atenção.
Uma iguana preta, de uns 20cm, andando sobre as patas traseiras, passou ao lado do meu pe direito e parou no meio do banheiro.
A reação humana ante ao perigo, é algo fora do comum. Bloqueia-se até o “momento presente” em busca de salvar a pele.

Me senti ridículo, quando me vi no espelho com um pe em cima do vaso e outro sobre a banheira, palavra cruzadas numa mao, e caneta na outra..
O bicho se escondeu no meu quarto, pude me vestir e chamar todo mundo de direito pra tirarem aquilo que ousou a interromper meu “momento presente”, o qual fui te-lo apenas 24h depois, no avião de volta pra casa.

Hoje, quando chego a um hotel, antes de ter meu “momento presente”, saio batendo porta, empurrando lixo, para não ter nenhum susto e ter esse momento interrompido.

O "momento presente" de cada um, deve ser prezervado.


Abracos,

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